Criadores & Criaturas



"Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
"

(Carlos Drummond de Andrade)

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... Por do Sol em Serra Verde ...
Colaboração:Claude Bloc


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sexta-feira, 9 de março de 2012

JÁ TEM DOCE PRONTO ? Por Edilma Rocha

Sua voz era grave e rouca. Cabelos claros, olhos azuis, saia rodada, um avental surrado e arrastava um par de chinelos de couro pelo chão.
Meus olhos infantis mergulhavam no cenário da casa de lanche do interior. A cozinha no fundo do quintal abrigava um enorme fogão à lenha e as labaredas do fogo tremiam sob o meu olhar de espanto.  Por cima das lascas de lenha as línguas de fogo pareciam dançar saltitantes entre amarelos e vermelhos. O calor era sentido a certa distância e me deixava incomodada e curiosa.
Todo o trabalho iria começar : A tradicional merendeira trazia nas mãos com certa dificuldade e cuidado um grande tacho de bronze onde iria depositar uma quantidade de leite puro e perfumado. De uma lata retirava varias medidas de açúcar um pouco escuro e ia aos poucos misturando. Diante da alta e forte cozinheira eu parecia mais franzina e pequena do que  era na realidade. Olhos atentos observavam o vai e vem  da grande colher de pau que por um instante mais parecia um remo de um barco.
As paredes eram cobertas por fuligem negra e eu via as teias de aranhas no alto do telhado, brancas e brilhantes. Aos poucos se ouvia o borbulhar do doce que começava a encher a velha casa de um aroma delicioso que despertava a fome do meu estômago. A cor do leite se tornara acaramelado e se ouvia o som da colher de pau raspando o fundo do tacho. Era o sinal de que o doce estava ficando no ponto.
_ Está quase pronto ! Falava com sotaque e rouquidão.
Em silencio, sentada num pequeno tamborete, eu aguardava à chegada dos fregueses...
Eram retirados os pedaços da lenha e por cima das brasas depositado um flande que iria manter  a temperatura por um tempo. O doce era servido quentinho.
Tinha apenas uma mesa na sala e algumas cadeiras arrumadas sobre o chão de tijolos vermelhos. Curiosamente observava que a maioria dos fregueses eram homens e chegavam sempre no mesmo horário e com a mesma pergunta :
_ Dona Hortência, já tem doce pronto ?
Pequenos pratinhos iam saindo um a um cheios de doce de leite e eu corria feliz para levar as colheres de latão. Os sorrisos agradecidos e satisfeitos se estampavam nos seus rostos com a promessa de retornarem no dia seguinte.
E agora estava chegando o momento tão esperado por mim. Primeiro, lavar a louça, depois guardar em potes de vidro o restante do doce e em seguida, raspar o tacho com uma colher estranha que de tanto uso, só tinha uma banda. A raspa era escura, diferente do da freguesia, mas o sabor, especial. Sentávamos à mesa e Madrinha Hortência cantarolava um bendito da Igreja enquanto fazia pequenas bolinhas das sobras e as depositava num prato grande.
Finalmente eu saboreava o mais delicioso doce que a minha memória guardou para sempre...

Edilma Rocha
( Texto dedicado a Evaldo, amigo de infância dos arredores do Assaré )